Primeiro de maio de 1994, um menino de dez anos acorda antes de toda sua família, sozinho sem despertador, nem precisava, era dia de corrida de Fórmula 1, a empolgação e a ansiedade não o deixavam ficar na cama. Ele desce as escadas, liga a TV e aproveita os últimos minutos do Globo Rural para fazer uma sintonia fina na antena Plasmatic e vai se sentar na poltrona que ele fingia ser um cockpit de carro de corrida.
O menino vê seu ídolo, Ayrton Senna da Silva e torce para que ele tenha melhores resultados que nas corridas anteriores, mas nota uma preocupação em seus olhos, não era para menos. Logo nos treinos de sexta-feira, o então novato Rubens Barrichello havia levantado voo na Vaiante Bassa e se arrebentou no alambrado, parando com o carro de cabeça para baixo. No sábado, uma outra grande promessa do automobilismo, o austríaco Roland Ratzenberger, não conseguiu controlar seu carro na curva Villeneuve por problemas mecânicos, e bateu com sua podre Simtek a mais de 310km/h. Ratzenberger não teve a mesma sorte de Rubinho e morreu.
Na imagem da TV, o menino via Senna segurando o aerofólio de sua Willians com os olhos consternados, parecia até prever o que viria a acontecer. Mesmo assim entrou no carro e se preparou para largada na pole, sua especialidade.
Dada a largada o carro de J.J. Lehto se manteve imóvel. Pedro Lamy que vinha logo atrás não conseguiu desviar e provocou o terceiro acidente forte do final de semana, mas não o último. Com pedaços de carro por toda a pista, o safety car entrou. A tensão era máxima e estava claro, até mesmo para aquele pequeno menino de dez anos, que aquele GP estava destinado a ter um mal agouro.
A relargada foi dada em movimento e os motores berravam novamente. Senna seguia na frente com Michael Schumacher vindo logo atrás. O menino em sua poltrona-cockpit empurrava seu herói na torcida que não durou muito. Duas voltas depois da relargada, na Tamburello, Ayrton não fez a curva e foi direto como uma flecha para o muro de concreto. O menino via chocado peças da Willians voando para todos os lados e pensava com seus dez anos: “Bom, agora ele sai do carro e acabou a corrida, vou ter que esperar a próxima”. Mas ele não saiu.
Tudo parecia passar em um instante interminável, o mundo ao redor do menino estava parado e só existia o mundo que via através da tela da TV. A corrida foi interrompida, veio o carro médico com o Dr. Sid Watkins. Fiscais de prova cercavam o carro enquanto Senna era retirado sem consciência do carro. Na pista mesmo, ao vivo para o mundo, foi feita uma traqueostomia e o menino via o sangue de seu herói no asfalto de Imola, só que ainda não percebia que aquele era o fim. Na sua cabeça infantil tudo iria passar e voltar ao normal. Só que não voltou.
Assim como muitos, eu era um menino de dez anos que acordava todos os domingos de corrida para ver Ayrton Senna dar seu show. Me lembro fotograficamente daquele dia, hoje, exatos 20 anos depois. Achei que seria fácil escrever depois de tanto tempo que se passou, mas não. Fiquei o dia inteiro ensaiando para sentar na frente do computador.
Depois do dia primeiro de maio de 1994, a F1 deixou de ter graça para mim por muitos anos, demorei a acordar domingo de manhã para ver as corridas. Hoje tenho 30 anos, e lembrar de Senna ainda me emociona. Hoje vejo como ele era, vejo que tinha seus defeitos, fez seus erros. Mas o meu herói de infância me foi roubado antes do tempo, e continuam as boas lembranças, de um piloto perfeito, que mesmo com o pior carro poderia fazer o melhor.
Senna trazia alegria a um país devastado pelo plano econômico de um desgraçado chamado Fernando Collor e não ia bem no futebol. Ayrton parecia o único brasileiro capaz de levar nossa bandeira a todos os cantos do mundo e nos fazia vibrar, sorrir e cantar em “pãn pãn pãn” o Tema da Vitória.
Não vejo um substituto para Senna, e não haverá. Aliás como o Nelson disse no post anterior, isso é a herança maldita que Ayrton deixou para todos os pilotos brasileiros que vieram depois: a responsabilidade de ser o seu substituto.
Ayrton Senna foi o último grande herói, morreu como mártir da segurança da F1 no auge de sua carreira e nunca mais teremos um igual.
Foto:
Paul Lannuier
Bonito o texto. E qualquer espectador com não mais que 12 anos irá se identificar com você; aqueles acima de 12 anos, e que viam em Ayrton Senna um "monstro" nas pistas, fatalmente irá se comover também, e com um "nó" na garganta, pois uma das primeiras coisas que me vem à cabeça era a vinheta de vitória. =)