No último fim de semana, o circo do WEC montou sua tenda em Interlagos, com carros e pilotos que correram na mítica 24 Horas de Le Mans. A vitória ficou com a toda poderosa Audi, que simplesmente passeou pela pista após sua maior concorrente, a Toyota, sair da prova em um acidente com o carro #32 da Lotus.
O evento marcou o retorno da categoria ao Brasil. Algumas coisas melhoraram e outras pioraram, mas no geral, a corrida foi boa, com público maior e mais atrações. A organização divulgou 38 mil espectadores e informou que as 6 Horas do ano que vem já tem data marcada.
A corrida deste ano foi como a do ano passado: fantástica! Aqui relato minhas aventuras pelo Autódromo José Carlos Pace durante os três dias das 6 Horas de São Paulo.
Sexta-feira
Cheguei ao Autódromo na sexta-feira, primeiro dia de carros na pista. A primeira coisa que se notava era a quantidade de tendas, cartazes e estruturas montadas no terreno. Apesar de ainda não estar tudo pronto, o estacionamento do antigo miolo já estava apinhado de carros, caminhões, lojas, restaurantes e até um palco. Foi construída uma espécie de vila, para que os entediados com a corrida, o que não é nosso caso, pudesse passar o tempo. Além disso, ainda havia um cinema e curso de segurança no trânsito para criançada.
A organização prometeu preços “acessíveis”, mas não sei para quem. Pagar R$8,00 em uma lata de cerveja ou R$6,00 em um espetinho de churrasco pareceu um tanto caro, ainda mais porque não foi permitida entrada com alimentos e bebidas. Isso foi um ponto bem ruim, pois em uma prova de longa duração é impossível não comer e beber algo. Ano passado, era possível entrar até com isopor (lembram das Mil Milhas de 2007?).
Às onze horas e cinco minutos da sexta-feira, os carros do WEC entraram na pista para o primeiro treino livre. Em meio ao berreiro dos motores V8 da LMGTe, os Audis voavam pela pista em silêncio. É impressionante, não se ouve o barulho do motor, somente da turbina do R18 e-tron enchendo, o deslocamento de ar e os pneus. Mas quem fez o melhor tempo do dia foi o TS030 da Toyota, reforçando seu favoritismo para levar a taça das 6 Horas de São Paulo pelo segundo ano consecutivo.
Acabado o treino do WEC, aproveitei o intervalo que teria e fui visitar o kartódromo, onde se encontrava o fotógrafo de plantão Humberto da Silva para registrar os carros da 10ª Etapa da Maratona Universitária da Eficiência Energética.
300km com um litro
O kartódromo estava lotado de estudantes e professores exibindo seus minibólidos. Diferentemente do que estava acontecendo na pista principal, ali não ganhava quem corria mais, mas sim quem gastasse menos combustível.
Logo na entrada do Kartódromo foi feito um camping improvisado onde estudantes de todo país montaram barracas e faziam uma animada roda de violão.
Nos boxes deu para ver o quanto os carros são minúsculos. Eles vestem os pilotos, que não têm espaço para nada. Interessante notar que muitos destes pilotos eram mulheres, que ganham dos homens por causa do peso e estatura. Chamou a atenção a tecnologia empregada nos carros que, em sua maioria, são feitos de uma espécie de chassi tubular de alumínio e depois revestidos com fibra de carbono ou outro material superleve.
Em uma breve conversa com a pilota Tamires da equipe da Anhembi Morumbi, pude aprender um pouco sobre os carros. O peso é algo realmente impressionante, ficando abaixo dos 30kg, o bastante para criar uma ótima relação peso/potência mesmo com um motor de roçadeira (cortador de grama), que rende aproximadamente 1cv.
Os vencedores da etapa para veículos movidos à gasolina foram os alunos Instituto Mauá de Tecnologia com a incrível marca de 405,845 quilômetros por litro. Imaginem, é como ir de São Paulo ao Rio de Janeiro com menos de 2 litros de combustível!
Segundo Treino
Voltando aos agora incrivelmente beberrões carros da WEC, o Sol ia se pondo e os carros faziam uma obra de arte a cada passagem no “S” do Senna. E falando em Senna, o Bruno me deu um susto danado ao sair da pista e passar com o carro a um metro de distância de onde eu e mais um senhor que tirava fotos para o filho estávamos.
Terminado o treino, já estava torrado pelo Sol e com bolhas nos pés. Mas cada vez mais ansioso para o domingo.
Sábado
Nesse dia não fui só, o Nelson que escreve aqui e o Leandro (o mesmo das Mil Milhas de 2007) foram comigo.
Nos instalamos no lado externo do “S”do Senna, onde conhecemos um mineiro fanático pelos carros LMP como nós. Ele até mostrou miniaturas que trouxera para os pilotos autografarem no dia seguinte.
Os carros continuavam berrando na pista para nossa alegria, mas um acidente grave no treino da Superbike deu um susto em todos. O piloto venezuelano Ricardo Francisco Suñe, da equipe SBK Rio, deu uma fritada na freada da primeira perna do “S” e veio desequilibrado para a segunda, quando caiu e foi prensado entre a moto e o muro. Ele teve duas costelas quebradas, lesão pulmonar e escoriações.
Mais tarde, na primeira corrida da Porsche Cup, houve outro acidente forte, dessa vez na reta oposta envolvendo três pilotos: Sylvio de Barros, Walter Rosset e Guilherme Figueirôa, mas sem gravidade.
Dessa vez, usamos a cabeça e levamos protetor solar, mas a fome, a sede e as bolhas nos pés nos atormentavam.
Domingo
Finalmente o dia da corrida chegou! Dessa vez, além do Nelson e do Leandro, também foi o Dú Cardim, a enciclopédia ambulante do automobilismo brasileiro que nos atormenta se falarmos alguma coisa errada, mas que também nos ensina muitas coisas.
Nos instalamos na boa e velha arquibancada da curva do Café enquanto estavam na pista os carros da Porsche Cup. Ocorreu mais um acidente grave. Mas por bem, foi o último do final de semana. Seis carros se envolveram no acidente na descida do lago. A estreante Mayara Bianchi não teve como desviar do carro Esio Vichiese que foi atingido em cheio deixando o piloto com uma fratura no braço. Depois, a prova foi reiniciada para vitória de Daniel Schneider.
Terminadas as corridas da Porsche, fomos para o pit walk. Foi bem legal ver que o público se dirigiu em massa para os boxes de Interlagos para ver os pilotos e máquinas antes da corrida. Todos puderam pegar autógrafos e até cumprimentar seus ídolos e de quebra conferir cada detalhe dos LMPs e GTs. Muitos levaram pôsteres e miniaturas para serem assinados. A expectativa de levar a família ao autódromo, tantas vezes repetida pela organização, deu certo, havia muitas crianças lá.
De volta a arquibancada do café, deu para ver que o evento estava bem mais cheio do que no ano passado, apesar de muitos buracos no público. Os carros do WEC saíram do box para alinhar no grid e todos correram para baixo para ver os bólidos de perto, e nós para buscar uma sombra no calor escaldante.
A Corrida
A largada em movimento é espetacular, dá para ver os carros formando o grid e vindo pela junção, em clima tenso com os motores preparados e passando diante do público para finalmente explodir na reta dos boxes. É realmente um momento espetacular!
Tudo correu bem e o carro #2 da Audi saltou na frente logo na primeira curva deixando o carro #1 para trás com o Toyota no encalço. Mais para trás, os carros da LMGTe já começavam a típica briga de foice da categoria, mas todos passaram ilesos na primeira volta.
Nas últimas posições do grid, o Corvette de Fernando Rees apresentou um problema no motor e logo entrou para os boxes. Segundo explicação dele no Instagram, o problema foi resolvido mas o ritmo de corrida já estava arruinado. Restou lutar para terminar a prova e garantir alguns pontos.
Todos os carros seguiam em ritmo forte, carregando na carroceria a bandeira da Dinamarca em homenagem ao colega falecido em Le Mans, Allan Simonsen. Nas arquibancadas já se especulava se a Toyota conseguiria pegar os Audis com um reabastecimento a menos, já que os R18 abriam vantagem. De repente, nas caixas de som o narrador anuncia: O TS030 bateu! Aos 35 minutos de prova, Stéphane Sarrazin vinha pela curva do Sol para ultrapassar Dominik Kraihamer, retardatário da LMP2, quando os carros se chocaram. Sarrazin tentou consertar o carro, arrancar a carenagem, fazer pegar no tranco, mas nada. O TS030 #8 ficou ali mesmo. Tanto os fãs da Audi como da Toyota xingavam na arquibancada, frustrados pelo fim prematuro de uma briga que prometia. O caminho estava livre para os carros de Ingostalt. Azar de uns, sorte de outros, pois agora o carro #12 da Rebellion, pilotado pelo trio Nicolas Prost, Nick Heidfeld e Mathias Beche, teria chances imensas de subir no pódio. Já que só restavam três carro na LMP1, seria só terminar a corrida.
Depois de muito tempo em bandeira amarela, a prova recomeçou, mas a tranquilidade não durou muito. A arquibancada se agitou ao ver uma bola de fogo contornando o mergulho. Era a Ferrari #71 (parece piada) de Toni Vilander, companheiro do japonês Kamui Kobayashi, que se consumia em chamas. O finlandês conseguiu parar na Junção e sair desesperado do carro. Da arquibancada do Café se via uma coluna de fumaça preta subir aos céus de Interlagos.
Na relargada, Bruno Senna e mais quatro carros trocaram tinta no Laranjinha. Com o impacto a suspensão traseira do Aston Martin #99 não aguentou e quebrou. Fim de prova para ele, que abandonou seu carro na subida da Junção. Foi também o fim das esperanças de ver um brasileiro no pódio.
Passada a marca de três horas, o Audi #1 guiado por André Lotterer, Marcel Fässler e Benoît Tréluyer já havia tomado a frente e abria uma boa distância do carro de Tom Kristensen, Allan McNish e Loic Duval. Na LMP2, o protótipo da G-Drive de Roman Rusinov, John Martin e Mike Conway dominava a corrida, assim como o trio dinamarquês no carro #95 (o mesmo em que Simosen sofreu o acidente fatal) seguia na liderança da LMGTe-Am. Kristian Poulsen, Christoffer Nygaard e Nicki Thiim estavam tranquilos na pista. Na mesma categoria, o Corvette Patrick Bornhauser, Julien Canal e Fernando Rees não seguia bem.
As maiores disputas estavam na LMGTe-Pro, com a Ferrari #51 de Giancarlo Fisichella e Gianmaria Bruni na frente, mas com o Aston Martin #97 de Darren Turner e Stefan Mücke colocando pressão volta após volta.
Com três horas e cinquenta de prova aconteceu algo cômico e inusitado. O Audi R18 #2 pilotado por Loic Duval saiu dos boxes com a roda traseira direita sem a porca de fixação e na descida do “S” do Senna ela se soltou. Até aí normal, não fosse a roda atingir o guardrail, quicar, e parar em cima do carro do francês, que arrastou o Audi sem roda, mas com “estepe” até os boxes. O fato rendeu punição e piadas do companheiro Tom Kristensen que declarou: “Na verdade, penso que poderíamos contestar a punição, pois ele pegou o pneu de volta, então não houve perigo”.
Depois disso, a corrida se estabilizou e decidimos passear um pouco para ver os carros de outros pontos do autódromo, como o lado de fora do “S” do Senna e o Laranjinha. Também aproveitamos para comer um lanche bem caro e descansar um pouco.
Como em toda corrida de longa duração, quando o Sol baixa vem o show de discos e backfires!. Não chegou a ficar completamente escuro enquanto os carros estavam na pista, mas do paddock já se viam os discos de freio vermelhos e as labaredas saindo dos escapamentos. Também não faltaram os flashes de farol dos pilotos mais rápidos que avisavam os retardatários.
No final, ganhou o Audi R18 #1, seguido do #2 e do Rebellion #12, que subiria finalmente no pódio do WEC. Mas o mais impressionante é que não me senti bem quando a bandeirada foi dada, pois o espetáculo chegava ao fim. Encararia mais 18 horas de bom grado para ver as 24 Horas de Interlagos, mas como não estamos em Le Mans, chegou a hora do pódio.
Pudemos entrar de novo nos pits, mas desta vez, mecânicos cansados e bólidos quebrados. No pódio, a Rebellion estava feliz como nunca com os mecânicos pulando e cantando e bebendo a garrafa de champanhe que foi jogada a eles. O chefão da Audi, Dr. Wolfgang desfilava pelo pit lane com um sorriso de orelha a orelha.
Depois das comemorações, foi a hora de ver os carros que não conseguiram terminar a prova e voltaram de guincho. Os mecânicos das equipes estavam frustrados e ficavam histéricos a cada flash das câmeras.
Depois de 10 horas, terminava minha jornada pelas 6 Horas de São Paulo. Apesar das bolhas nos pés, a pele vermelha e a fome, digo sem dúvidas: uma das melhores corridas que já vi na minha vida.
Interlagos é a terra dos sonhos, fora de seus muros, só nos resta o mundo real.
O resultado final foi:
Pos | N° | Cat | Pilotos | Carro | Voltas | Tempo | Dif. |
1 | 1 | LMP1 | André LOTTERER, Benoit TRÉLUYER, Marcel FÄSSLER | Audi R18 e-tron quattro | 235 | 6:01’26.209 | |
2 | 2 | LMP1 | Tom KRISTENSEN, Loïc DUVAL, Allan McNISH | Audi R18 e-tron quattro | 232 | 6:02’36.937 | 3 Voltas |
3 | 12 | LMP1 | Nicolas PROST, Nick HEIDFELD, Mathias BECHE | Lola B12/60 Coupé – Toyota | 230 | 6:02’28.929 | 5 Voltas |
4 | 26 | LMP2 | Roman RUSINOV, John MARTIN, Mike CONWAY | Oreca 03 – Nissan | 222 | 6:02’41.674 | 13 Voltas |
5 | 35 | LMP2 | Bertrand BAGUETTE, Ricardo GONZALEZ, Martin PLOWMAN | Morgan – Nissan | 221 | 6:01’56.787 | 14 Voltas |
6 | 49 | LMP2 | Luis PEREZ COMPANC, Nicolas MINASSIAN, Pierre KAFFER | Oreca 03 – Nissan | 221 | 6:02’16.096 | 14 Voltas |
7 | 41 | LMP2 | Christian ZUGEL, Gunnar JEANNETTE, Björn WIRDHEIM | Zytek Z11SN – Nissan | 217 | 6:02’05.433 | 18 Voltas |
8 | 45 | LMP2 | Jacques NICOLET, Jean-Marc MERLIN, Keiko IHARA | Morgan – Nissan | 214 | 6:01’49.818 | 21 Voltas |
9 | 51 | LMGTE Pro | Gianmaria BRUNI, Giancarlo FISICHELLA, | Ferrari F458 Italia | 212 | 6:01’57.197 | 23 Voltas |
10 | 97 | LMGTE Pro | Stefan MÜCKE, Darren TURNER, | Aston Martin Vantage V8 | 212 | 6:01’58.598 | 23 Voltas |
11 | 24 | LMP2 | Olivier PLA, David HEINEMEIER HANSSON, Alex BRUNDLE | Morgan – Nissan | 212 | 6:02’07.989 | 23 Voltas |
12 | 91 | LMGTE Pro | Jörg BERGMEISTER, Patrick PILET, | Porsche 911 RSR | 210 | 6:02’53.236 | 25 Voltas |
13 | 92 | LMGTE Pro | Marc LIEB, Richard LIETZ, | Porsche 911 RSR | 209 | 6:01’54.735 | 26 Voltas |
14 | 96 | LMGTE Am | Stuart HALL, Jamie CAMPBELL-WALTER, | Aston Martin Vantage V8 | 208 | 6:01’28.282 | 27 Voltas |
15 | 81 | LMGTE Am | Vicente POTOLICCHIO, Rui AGUAS, Davide RIGON | Ferrari F458 Italia | 208 | 6:02’13.972 | 27 Voltas |
16 | 88 | LMGTE Am | Christian RIED, Gianluca RODA, Paolo RUBERTI | Porsche 911 GT3 RSR | 207 | 6:02’08.272 | 28 Voltas |
17 | 76 | LMGTE Am | Raymond NARAC, Jean-Karl VERNAY, Christophe BOURRET | Porsche 911 GT3 RSR | 207 | 6:02’08.626 | 28 Voltas |
18 | 57 | LMGTE Am | Tracy KROHN, Niclas JÖNSSON, Maurizio MEDIANI | Ferrari F458 Italia | 203 | 6:01’42.323 | 32 Voltas |
19 | 50 | LMGTE Am | Patrick BORNHAUSER, Julien CANAL, Fernando REES | Chevrolet Corvette C6-ZR1 | 194 | 6:03’04.225 | 41 Voltas |
20 | 98 | LMGTE Pro | Paul DALLA LANA, Pedro LAMY, Richie STANAWAY | Aston Martin Vantage V8 | 186 | 6:01’37.920 | 49 Voltas |
21 | 95 | LMGTE Am | Christoffer NYGAARD, Kristian POULSEN, Nicki THIIM | Aston Martin Vantage V8 | 162 | 4:45’09.256 | 73 Voltas |
22 | 61 | LMGTE Am | Jack GERBER, Matt GRIFFIN, Marco CIOCI | Ferrari F458 Italia | 74 | 2:25’08.613 | 161 Voltas |
23 | 99 | LMGTE Pro | Bruno SENNA, Rob BELL, | Aston Martin Vantage V8 | 61 | 1:58’48.798 | 174 Voltas |
24 | 25 | LMP2 | Tor GRAVES, James WALKER, Robbie KERR | Oreca 03 – Nissan | 58 | 2:11’33.219 | 177 Voltas |
25 | 71 | LMGTE Pro | Kamui KOBAYASHI, Toni VILANDER, | Ferrari F458 Italia | 51 | 1:40’41.646 | 184 Voltas |
26 | 31 | LMP2 | Kevin WEEDA, Christophe BOUCHUT, | Lotus T128 | 47 | 5:22’21.886 | 188 Voltas |
27 | 8 | LMP1 | Anthony DAVIDSON, Sébastien BUEMI, Stéphane SARRAZIN | Toyota TS030 – Hybrid | 25 | 34’53.732 | 210 Voltas |
28 | 32 | LMP2 | Thomas HOLZER, Dominik KRAIHAMER, Jan CHAROUZ | Lotus T128 | 23 | 34’52.643 | 212 Voltas |
Fotos:
Ricardo Varoli
Cade a foto da parte da frente desmontada da toyota??
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