O Pursuit Special Brasileiro

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Um garoto qualquer está sentado no sofá quando começa um filme sobre uns australianos malucos num cenário pós-apocalíptico. No filme aparecem vários carros modificados até que um tal de “Max Louco” entra em uma garagem com um mecânico andando de muletas que apresenta uma besta fera motorizada: O Último dos V8 Interceptadores! Então, esse menino decide que quer ter um desses em sua garagem. Essa é a história do Nande, que, como muitos de nós, ficou louco ao ver metade do motor de um Ford Falcon XB GT saindo pelo capô na forma de um imenso blower.

Nande começou sua busca por um carro com seu irmão Elisson, que foi quem achou o Mustang Grande 1972 hardtop após dois anos de pesquisas. O muscle car pertencia a um senhor que faleceu. Sua viúva deixou o carro do lado de fora da casa à mercê do tempo e depois decidiu vendê-lo em uma loja. Nande, na época com 18 anos, ficou quatro meses atormentando o vendedor até que conseguiu comprar o carro pelo valor de 6 mil reais em três vezes. Foi esse valor mesmo, só que há 14 anos. Nos dias atuais, já ofereceram 170 mil no carro. Acontece que este carro é uma versão de luxo do Mustang, raridade no Brasil: “Quando vou nos encontros, é impossível ter dois iguais. Ou é o meu, ou é um cara que levou em um encontro que não fui”, conta Nande.

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O carro rodou original durante três anos, com alguns problemas, como a mangueira de combustível dobrada que fazia o carro morrer em movimento e que demorou um bom tempo para ser encontrada. Feitos os reparos iniciais, tudo ia bem até que a junta do cabeçote queimou e Nande decidiu que queria mais potência para o Mustang. Era o início da “personalidade Mad Max”, que seria construída como deve ser: na raça.

Na época, com pouco conhecimento de mecânica, mas com muita vontade, Nande foi fazendo tudo  “na unha”, com a ajuda do Edson, um mecânico de Mavericks e afins de Itapecerica. Ele comprava as peças e ia até a mecânica para pedir dicas. Algumas coisas fez sozinho como adaptações na bomba de combustível e a instalação de duas ventoinhas de Blazer para ajudar a original.

Embora a Ford ainda fabrique todas as peças, a dificuldade é encontrar quem as importe a um preço justo. Na maioria das vezes a conversão do dólar é acrescida de um zero: o que na terra do Tio Sam custa US$100 vira R$1.000,00 aqui. Ele reclama: “Minha chave é do Maverick. Pedi uma chave de Mustang e me cobraram 50 reais!”. Mas isso não o fez parar.

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Entre inúmeras modificações, o motor V8 351 (5.8l) Cleveland e seus originais 285 cv receberam um gigantesco blower 6/71 com scoop, um carburador Holley Quadrijet 750 (que demorou meses para ser regulado e andar no álcool), pistões forjados e comando de válvulas novos. Isso resultou em uma potência estimada entre 540-600 cv.

O blower engole tanto ar e tão rápido que chega a congelar por fora. O scoop não tem filtro, deixando o motor respirar direto. Quando chove, tem que aliviar o pé para o motor não ficar cheio de água.

O limite de corte de giros está em 6.200 RPM, mas ele diz que nunca chega nesse limite porque “parece que o carro vai explodir” e os pneus traseiros destracionam. Quem não ajuda muito é o diferencial original, que, por mais regulado que seja, não consegue fazer a traseira se comportar direito. Também é o original o câmbio automático: “queria colocar um manual, mas é muito caro”, explica Nande.

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Era de se esperar um motor embolado em marcha lenta, mas depois de tanta regulagem, ele gira redondo e pega de primeira. Não foi possível fazer grandes alterações no escapamento original por falta de espaço no cofre do motor (mesmo depois de retirar o compressor do ar condicionado), mas foram instalados dois abafadores Flowmaster que afinam a sinfonia dos cilindros, apesar de restringirem o escape. Tudo aberto seria o ideal, no entanto, provavelmente nos daria a ideia de qual é o som do fim do mundo.

Freios e suspensão originais de fábrica foram melhorados. Como os dois sistemas foram projetados para um carro pesado e potente, conseguem aguentar bem o tranco, o que não é o caso de carros populares modificados, como os Gols e Voyages motor AP.

Para segurar o carro no asfalto, foram montadas na frente rodas gaúchas aro 14 com pneus 195. Na traseira, as rodas palito aro 18 estão encapadas com pneus de Stock Car para chuva 285, que aquecido segura bem, já frio, é complicado. Ele falou que precisa dar umas três “fritadas” para esquentar a borracha. O pneu gruda tanto quando quente que chega a causar episódios cômicos: “Já saiu pedaço do chão de ardósia lá de casa quando levantei o carro na garagem”.

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Estas histórias construíram um Mustang especial, diferenciado. Ele não é um desses carros que ficam brilhando na garagem de um ricaço, sendo polido à exaustão para uma exposição. A preocupação é com a potência em seu estado bruto e não se a tinta usada para pintar a tampa do porta-malas vai combinar com o resto da lataria, ou se tem umas pauladas no para-lama de trás causadas por um pneu estourado, ou um adesivo perto do farol dianteiro para cobrir um acidente. Estas cicatrizes contam a trajetória de um automóvel muito querido, que é usado regularmente, seja para ir comprar um lanche, sair à noite ou simplesmente conduzi-lo pelas estradas. Tudo legitimado nas palavras de Nande: “O fim do mundo está chegando e não vou dirigir meu carro?!”[risos].

O Mustang 1972 não é preto, nem é um Falcon, mas é, sem dúvida, um verdadeiro Pursuit Special reinando na buraqueira da Wasteland asfáltica de São Paulo. Ao passar, pescoços se viram e o mundo para atônito para ver as borboletas se abrirem e ouvir o V8 urrar. Até Humungus dá passagem ao Interceptor tupiniquim.

Agradecimentos especiais ao Rapha e ao Gustavo Maia.

Galeria de fotos:

Fotos:
Ricardo Varoli

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