O Jogo de Pôquer de Bernie

Bernie-Ecclestone

Muito tem se falado sobre a Fórmula 1 deixar Interlagos há anos. Que o todo poderoso “dono” da F1, Bernie Ecclestone, está insatisfeito, que o autódromo paulista não serve, que existem outros no Brasil que podem sediar a corrida e blá, blá, blá. Mas e a resposta à pergunta “A Fórmula 1 vai deixar Interlagos?”, qual é? NÃO!

Tio Bernie junto ao atual prefeito da capital paulista, Fernando Haddad, chegaram a assustar ontem. O primeiro porque quer a chamada “reforma do século”, e o segundo porque não quer torrar 120 milhões de reais para alegrar o circo de Ecclestone.

Na minha sincera opinião, Haddad está certo. Cento e vinte milhões de reais é grana pacas, e convenhamos, carros e automobilismo são nossas paixões e desejos, mas não nossas necessidades. Seria muito melhor se essa montanha de grana fosse usada para educação, alimentação e saúde.

Ainda mais, tem essa maledeta copa do mundo na conta do município.

Mas paremos para analisar: Interlagos realmente precisa dessa reforma? Mais uma vez, respondo que não. OK, Yas Marina, Xangai e outros pelo mundo são muito mais modernos, mas Interlagos tem tudo o que é necessário, só não tem a arquitetura das galáxias e todas as luzinhas piscantes que tanto alimentam a cultura do espetáculo.

Por outro lado, temos o que realmente interessa, um traçado fantástico, cheio de curvas técnicas, subidas e descidas. Você mesmo pode conferir. Pegue um simulador de sua preferência e ande, por exemplo em Yas Marina e depois em Interlagos, não há comparação.

A velha história de que falta espaço, não convence. Interlagos tem 1 milhão de metros quadrados para colocar o que quiser lá. Quem andou pelos paddocks das 6 Horas de Interlagos pode ver que couberam lá os 28 carros do WEC, mais os 40 carros da Porsche Cup. Por mais que a F1 precise de espaço, são 22 carros.

Espaço para arquibancadas tem aos montes, e não venham falar que o “concreto do café” é desconfortável, quando aposto que muitos sonham em se pendurar no “barranco da água vermelha” em Spa. Isso mesmo, o tradicional circuito belga não tem nem arquibancada naquele trecho, e não me lembro de um autódromo onde se veja 80% da pista de praticamente qualquer lugar onde esteja sentado.

Um agravante é de que os novos boxes só serão usados para o circo de Bernie. Peraí! Por quê? Se o autódromo é terreno público e, além do mais, o que farão de tão mal assim as outras categorias? Ficar martelando as paredes? Aí vejo razão no discurso de Flávio Gomes: “O GP do Brasil pertence à TV Globo, que comprou a International Promotions, empresa que organizava a corrida. Assim, a Globo que construa seus boxes novos, e que cuide deles.”

A Concorrência

Projeto do Autódromo de Deodoro no RJ

Projeto do Autódromo de Deodoro no RJ

Além das pressões do chefão há ainda os concorrentes caseiros: Rio de Janeiro e Santa Catarina. O primeiro parece ou piada ou maldade. A prefeitura da Cidade Maravilhosa acabou de transformar em pó o belo autódromo de Jacarepaguá, que sediou as corridas de F1 nos anos 80, e era um patrimônio do automobilismo nacional. Para quê? Para fazer a Vila Olímpica. Não tinha nenhum outro lugar?

Ah, sim! Mas eles querem fazer um autódromo novo, o de Deodoro, que tem um belo projeto, mas com um traçado que parece tedioso, a ser construído em um terreno doado pelo exército brasileiro de 3 milhões de metros quadrados… Onde eram realizados exercícios militares… E onde provavelmente existem minas e outros artefatos bélicos ativos… Que fazem necessidade de uma demorada e custosa limpeza… Além de tudo, não está nos planos da União gastar centenas de milhões de reais, como mostrou Américo Teixeira Jr. em texto que pode ser lido aqui. Tirando que o Rio não está preparado para realizar o evento. Pode ter muitos hotéis, que estão quase sempre lotados com o turismo, mas os cariocas perderam o Grande Prêmio, justamente porque faltava infraestrutura. Portanto, quando o prefeito Eduardo Paes fala que quer “roubar a Fórmula 1 de São Paulo”, ou ele não sabe o que fala ou está pensando que somos bobos. Ecclestone mesmo falou que seria difícil voltar para o Rio de Janeiro.

Bernie Ecclestone confere a maquete do Autódromo de SC

Bernie Ecclestone confere a maquete do Autódromo de SC

O segundo projeto, de Santa Catarina, prevê um autódromo no parque de diversões Beto Carreiro World. O traçado foi criado por Hermann Tilke, que assinou algumas pistas “mais ou menos”, mas parece que acertou no Circuito das Américas (falo de traçados).

Ecclestone já foi lá visitar o estado e conhecer o projeto, falou que está tudo muito bonito e tudo mais. Realmente parece interessante e está muito mais próximo da realidade do que o dos cariocas, mas por melhor que seja, ainda falta algo muito importante, o mesmo problema do Rio: infraestrutura. Como vão chegar as pessoas? (Tem um aeroporto próximo, mas nada comparado aos de São Paulo). Onde elas vão se hospedar, comer, e tudo o mais necessário?

Ou seja, se a Fórmula 1 sair de Interlagos, sai do Brasil, e não venham me chamar de bairrista, pois ficaria muito contente com novos autódromos no país para fomentar o esporte a motor.

Também existem os concorrentes internacionais, mas não vejo muitas vantagens em perder uma corrida que todos adoram (não digo só brasileiros), e ainda deixar a F1 fora de um dos continentes do planeta. Verdade é que muita gente ganha muito dinheiro aqui, veja pelos ingressos que se esgotam meses antes do GP, frente a outros países que tem queda nas vendas.

Resumindo, Bernie está jogando pôquer, blefando e apostando alto, sabendo que tem todo poder da F1 na mão, assim como fazia na Warren Street, assim com faz em Mônaco. Ele é mestre nisso, basta ler sua excelente biografia, “Não sou Um Anjo” (original: “No Angel” de Tom Bower), para saber que ele gosta de jogar e entender como transformou o campeonato na categoria máxima do automobilismo. Ele é um gênio, conseguiu se apropriar de algo que não era dele, vendê-lo algumas vezes, e ainda ser o dono dos lucros, lembrando que foi um filho de pescador que saiu dos “cafundós” da Inglaterra.

A Fórmula 1 dificilmente sai de Interlagos, mas não é bom testar Bernie Ecclestone, é só lembrar de Silverstone.

Ah! Só lembrando, o contrato com Interlagos vai até 2015!

Fotos:
Getty Images
Divulgação
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