Em 20 de fevereiro de 1993, há exatos 20 anos e um dia, morria Ferruccio Elio Arturo Lamborghini aos 76 anos (acho que já comecei um post assim…). Assim como seu “arqui-inimigo”, Enzo Ferrari, teve extrema importância para o mundo dos supercarros esportivos.
Ferruccio nasceu na pequena cidade de Cento, na Itália, em 1916, filho de viticultores, ou fabricantes de vinho, para simplificar. Logo no início, desenvolveu gosto pela mecânica e foi estudar no instituto técnico Fratelli Taddia. Com o início da Segunda Guerra, se juntou a Regia Aeronautica, a força aérea italiana, para trabalhar como mecânico na ilha grega, na época italiana, de Rodes. Sim, a mesma do Colosso de Rodes e da mitologia.
Assim como Enzo, Ferruccio ajudou os fascistas, mas não vamos discutir se estava certo ou errado nisso.
Em 1945, quando os britânicos tomaram a ilha, foi feito prisioneiro de guerra e despachado depois de um ano de volta para casa.
Os primeiros carros
Logo depois da guerra, ele abriu uma pequena mecânica e comprou alguns Fiat Topolinos, começando assim a fazer sua arte. Em um deles aumentou a cilindrada de 500 para 750cc (e você reclamando do seu 1.0), mexeu nas válvulas e no cabeçote, batizando o carro de “Fiat 750 Testa d’Oro”. Em 1948, se inscreveu com o carro na primeira Mille Miglia pós-guerra. Ferruccio não conseguiu terminar a corrida, pois chapou o carro no muro de um restaurante.
Só por curiosidade, o Barão, Wilson Fittipaldi, pai de Emerson e Wilsinho, veria a corrida no ano seguinte, ficando fascinado e, voltando ao Brasil, criou as gloriosas Mil Milhas Brasileiras.
Conforme ia se firmando como um industrialista de sucesso, a grana foi aumentando e ele passou dos Topolinos para Alfas Romeos e Lancias. Sua fábrica de tratores ia bem e era reconhecida como a grande produtora de máquinas agrícolas da Itália.
Ele tinha bom gosto para carros, e foi “subindo”. Comprou uma Mercedes 300SL Gullwing, duas Maseratis 3500GT e finalmente uma… Ferrari. Aí que a história começa a esquentar.
A Visita a Maranello
Lamborghini havia comprado algumas Ferraris 250. Ele gostava dos carros, dizendo que seus motores eram fortes e que estavam à frente de seu tempo, mas quando decidia “esmerilhar” pelas estradas europeias (que inveja dele!) a embreagem não aguentava o tranco e ia para o espaço.
Os carros do então fabricante de tratores faziam recorrentes visitas à fábrica dos Cavallinos. Ferruccio começou a se incomodar porque os mecânicos sumiam com o carro por algumas horas e a “maledeta” embreagem continuava com o mesmo problema.
Indignado, foi até il Commendatore, e disse bem ao estilo italiano, sem rodeios: “Ferrari, le vostre auto sono spazzatura!” (Ferrari, seus carros são um lixo!). Bom, os palavrões que devem ter vindo em seguida provavelmente dariam um roteiro de comédia italiana, mas a resposta reproduzível que Enzo Ferrari deu mudou a história dos carros: “Lamborghini, você pode ser capaz de dirigir um trator, mas nunca irá guiar uma Ferrari de maneira apropriada”.
Depois disso, Ferruccio decidiu que faria o melhor esportivo que o mundo veria para esbofetear a cara de Enzo. O Cavallino sentiria a fúria do Touro!
Mas Lamborghini, muito diferente de Ferrari, não gostava de corridas, e a marca nunca teve uma presença forte no automobilismo.
Automobili Lamborghini S.p.A
Ele começou, obviamente, trocando a famigerada (ou bendita) embreagem de uma Ferrari 250GT 2+2 por uma mais robusta. Depois deu uns “tapas” no motor, trocando cabeçotes e carburadores. Isso deixou Enzo ainda mais louco da vida.
Para zombar dos Cavallinos, ele ficava procurando pilotos de teste da Ferrari em estradas perto da fábrica e, ao ver um, passava voando, pois a sua máquina era mais rápida. Quando o perguntavam, “o que fez para deixa-la tão rápida?”, respondia “Oh, não sei!”.
Depois disso, construiu uma grande e moderna fábrica em Sant’Agata Blognese, no norte da Itália, perto de Modena, e contratou um time de primeira linha, formado, inclusive, por ex-funcionários da Ferrari.
Em 1963, no dia 30 de outubro ele fundou a Automobili Lamborghini S.p.A, que viria a fabricar os supercarros da marca.
Interessante que a marca, além de tratores, também fazia aquecedores a gás e equipamentos de ar condicionado.
Voltando aos carros, o primeiro foi o 350GT, um coupe com um V12 3.5 montado na frente. Ferruccio, que havia tido uma experiência desagradável com a Ferrari, decidiu que seu motor não seria um de corridas adaptado para rua, mas sim um motor “de rua” preparado para render 280cv, o que levava o carro a velocidade máxima de 254 km/h.
Para chegar a um desempenho mais agradável para o uso em vias públicas, o motor na verdade foi “despreparado”. Inicialmente ele rendia 400 cv e fora desenhado pelo mestre Giotto Bizarrini, que havia trabalhado na “arqui-inimiga”, fazendo inclusive o motor da mítica Ferrari 250GTO.
O carro possuía melhorias em relação a Ferrari, como a suspensão mais moderna, independente e com molas helicoidais, frente ao feixe de molas e eixo rígido dos carros vermelhos. A carroceria era feita de alumínio. Porém, mesmo cobrando o valor “exorbitante” de 14 mil dólares, Ferruccio perdia dinheiro com o carro.
Dois anos depois, foi lançado o 400GT, com a cilindrada do V12 aumentada para 4.0, rendendo 400cv.
Os touros
Em 1962, Lamborghini visitou o rancho de Don Eduardo Miura Fernández, um renomado criador de touros de arena. Ele ficou tão impressionado com a exuberância dos animais que decidiu colocar um em sua marca que lançaria um ano mais tarde.
Os animais mais famosos da criação de Don Eduardo foram: Murciélago, que em 1879 foi poupado da morte após sobreviver a 24 estocadas; Reventón, que matou o toureiro Félix Guzmán em 1943; e Islero que destruiu o famoso toureiro Manolete com uma chifrada na virilha. Os três nomes batizariam carros da marca mais tarde.
Além dos touros de Miura, outros também foram homenageados pela marca como Jalpa, Diablo, Gallardo e por último Aventador. Os outros carros possuem nomes que remetem às touradas, como Espada, a arma usada pelo toureiro, Jarama, região famosa pela criação de animais e Urraco, uma raça de touros. As exceções à tradição são: 350GT, 400GT, Countach (expressão usada pelos piemonteses para se referir a algo magnífico), Silhouette, LM002 e o exclusivíssimo Sesto Elemento (em referência ao número atômico do carbono, devido ao largo uso de fibra de carbono em sua carroceria).
Ferruccio decidiu dar o nome Miura, ao que talvez seja, o carro mais icônico da marca.
O Miura foi lançado em 1966 e possuía um V12 montado no central e peculiarmente na transversal. Rendia 350cv e deixava os donos de Ferraris tão vermelhos quanto seus carros.
Diz a lenda que no GP de Mônaco daquele ano, ele ficava atormentando os cidadãos locais com aceleradas fortes para mostrar como um carro deveria berrar.
Depois do Miura, o carro mais famoso foi o Countach, com um design moderno de linhas retas e agressivas, contrastando com seu antecessor.
No fim da década de 1960, começo de 1970, a marca conseguira imenso prestígio, como encomendas feitas por celebridades e 4.500 funcionários contratados.
Declínio
O auge não durou muito, no início da década de 1970 a fábrica de tratores ia mal das pernas. Com encomendas canceladas, entrou em grave crise e Ferruccio vendeu sua participação para a concorrente SAME em 1972 e ainda 51% das ações da Automobili para Georges Henri-Rossetti. Para piorar mais ainda, a economia mundial ficou esculhambada com a Crise do Petróleo no ano seguinte. Com isso, muitos compradores tinham prioridades maiores do que carros esporte.
Com as contas vencendo e sem conseguir tapar o rombo, Lamborghini vendeu as suas ações restantes e se retirou da indústria automobilística.
Depois disso, a marca entrou em liquidação, ficando nas mãos do governo até 1984, e quase foi para o vinagre. Saindo do estado crítico, passou por vários donos, incluindo a Chrysler (1987-1994), até parar nas mãos da Audi (leia-se grupo Volkswagen) em 1999, que reergueu a majestade da Lamborghini entre os supercarros.
Retiro
Depois de desistir dos carros, Ferruccio seguiu os passos de seus pais e foi produzir vinhos na imensa fazenda de 3km² situada às belas margens do lago Trasimero. Em seu retiro rural nasceu sua filha, Patrizia, de sua terceira esposa, Maria Theresa. Maria Clelia Monti, sua primeira mulher, morreu dando à luz ao seu primeiro filho Antonio.
Em 20 de fevereiro de 1993, Ferruccio teve um ataque cardíaco que o matou 55 dias depois.
Ferruccio, teve uma vida com estranhas similaridades e ligações com seu rival Enzo Ferrari, que nunca mais o olhou na cara depois da briga da embreagem. Vidas bem ao modo italiano, dois cabeçudos apaixonados por supercarros.
Ele deixou sua marca na história, com carros de personalidade forte como a sua, cuspidores de fogo, queimadores de borracha e gasolina V12, que inspiraram sonhos de homens e meninos unidos em uma só paixão: carros.
Nós, aqueles que vão “correr”, o saudamos, Ferruccio Elio Arturo Lamborghini.
Fotos:
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