EE-T1 Osório: A Morte e Vida Severina do tanque de guerra brasileiro

No início dos anos 80, o Exército Brasileiro solicitou à ENGESA (Engenheiros Especializados S/A) um novo tanque. Ele desenvolveria a função de ser o principal tanque do exército. O resultado foi um dos melhores tanques que a história já viu, mas que foi, praticamente, jogado no lixo.

O Brasil, na época, estava bem avançado em tecnologias militares. A ENGESA vendia carros blindados como água no deserto, literalmente.

Aqui vou contar como uma sucessão de desgraças mudou a história do Exército Brasileiro, da ENGESA e do abortado EE-T1 Osório.

Os sauditas precisam de um tanque

Em 1980, a Arábia Saudita começou seus estudos para comprar novos tanques, tendo como primeira opção o Leopard 2, mas o governo alemão não quis vender os tanques porque o país não fazia parte da OTAN. Nisso, a ENGESA viu uma oportunidade e decidiu investir 50 milhões de dólares (algumas fontes falam em 100 milhões) para projetar o EE-T1 Osório. O nome foi dado em homenagem ao patrono da cavalaria, o Marechal Manuel Luís Osório.

Os brasileiros, que vendiam muitos blindados Cascavel e Urutu para o Oriente Médio, decidiram apresentar seu projeto.

A ENGESA, tentando adquirir experiência em MBTs (Main Battle Tank – Tanque Principal de Batalha), entrou em contato com a Tyssen-Henschel para uma possível parceria, pois a empresa alemã possuía o projeto do Leopard 3. Mas os alemães se recusaram.

Depois da resposta negativa do governo alemão, os engenheiros brasileiros procuraram ninguém menos que a Porsche, que se mostrou interessada em construir o MBT conosco. Mas o governo alemão, sempre ele, barrou o projeto.

A determinação brasileira não parou. A ENGESA decidiu ir sozinha para a briga. Mais tarde, isso se mostrou um suicídio antecipado da empresa.

Projeto

Voltada para o mercado externo, a ENGESA logo descartou ao menos duas exigências do EB (Exército Brasileiro): peso máximo de 36 toneladas e largura de 3,20 metros, já que todos os outros MBTs fabricados no exterior tinham largura e peso bem maiores.

O protótipo começou a ter forma em 1983, com a ajuda de softwares CAD. Isso era uma revolução para época e ajudou a empresa a poupar tempo valioso e a gastar muito dinheiro.

O desenho do tanque se mostrou moderno, com um perfil baixo (usado hoje, nos mais modernos tanques). A blindagem era excelente e a boa motorização aliada ao baixo peso (42,9 toneladas contra 61 do Leopard 2) dava ao EE-T1 ótima mobilidade.

A eletrônica era bem avançada, contando com:

  • Computador de bordo para melhor condição de disparo do canhão;
  • Estabilizador da torre, para compensar desníveis do terreno e manter sempre a mira (sim, você viu isso no moderníssimo M1 Abrams quando estava vendo Discovery Channel);
  • Equipamento de visão noturna;
  • Telêmetro a laser (usado para medir a distância do alvo).

O índice de acerto do tiro chegou a nada menos do que 95% com margem de erro de 50 centímetros. Considerando um canhão de até 120 mm, isso não era nada.

Em 1986, nossa máquina de guerra estava pronta para seu maior desafio.

Que venha a areia

Chegando à Arábia Saudita, nosso querido tanque encarou seus concorrentes: Challenger, da Inglaterra; M1 Abrams, dos Estados Unidos; e o AMX-40, da França.

Os testes selecionados pelos sauditas para o nosso “marechal blindado” foram:

  • Execução de 2350 km de rodagem, sendo 1750 km no deserto;
  • Testes de aceleração, frenagem e pivotamento (giro de 180 graus);
  • Consumo de combustível em estrada e no deserto (2,1 km/l no deserto 3,4 km/l em estrada pavimentada);
  • Permanência do veículo parado por seis horas com o motor ligado;
  • Execução de 6 km em marcha à ré;
  • Reboque de um carro de combate de 35 toneladas por 10 km;
  • Remoção e instalação de lagartas (10 minutos para remoção e 20 para instalação);
  • Superação de trincheiras de três metros de largura;
  • Dar partida no carro em rampas de 65%;
  • Rodar em rampa lateral de 30%;
  • Execução de disparos com o veículo estacionado contra alvos estacionados e em movimento (distância máxima de 4.000m);
  • Execução de disparos com o veículo em movimento e alvos em movimento (distância máxima de 1.500m).

Apenas nosso veículo acertou o alvo a quatro mil metros. Nos testes com alvos móveis, foram disparados 12 tiros, dos quais o Osório acertou 8, o M1 Abrams 5 e o Challenger e o AMX apenas 1. Os europeus foram descartados.

Na prova de reboque, houve um problema com o carro de combate de 35 ton. Foi aí que o Osório humilhou a concorrência e rebocou o tanque americano de 60 toneladas.

Além de tudo isso, era mais barato que todos os concorrentes.

Os sauditas estavam impressionados com nosso MBT e os brasileiros ficaram eufóricos. Era um negócio de 1 bilhão de dólares e o EB ainda receberia um EE-T1 a cada dez vendidos para a Arábia Saudita.

Como a história brasileira tem sempre um “mas”… Foi aí também que começou a revolta americana.

Green go home!

A essa altura, os americanos já deviam estar soltando fogo pelas ventas pelo sacode que tomaram nos testes do deserto saudita. Como não são idiotas, decidiram se mexer.

Começaram a fazer pressões dizendo que o Brasil negociava com países inimigos e não respeitava acordos internacionais e a Arábia Saudita desistiu da compra.

Em 1989, o martelo foi batido em favor da General Dynamics, na surdina, porque o acordo de compra de 315 unidades do M1 Abrams ao preço de 3,1 bilhões de dólares (contra apenas 1 bilhão, que era o valor brasileiro) só foi divulgado em novembro de 1990.

De melhor tanque do mundo, o EE-T1 Osório virou o caixão no qual a ENGESA foi enterrada.

Com uma dívida “suave” de 500 milhões de dólares, sem apoio do governo, na época o “glorioso” Fernando Collor, e um projeto fantástico que havia virado peso de papel, José Luiz Whitaker Ribeiro, dono da ENGESA, fechou a empresa.

Morte matada

Os dois únicos protótipos construídos ficaram sem dono depois da falência da ENGESA e quase foram leiloados para um comprador particular, ato que foi cancelado pelo EB.

Somente em março de 2003, os tanques foram entregues a guarda do 13º Regimento de Cavalaria Mecanizado, que fica em Pirassununga-SP. O protótipo com canhão 120 mm está bem conservado e o de 105 mm está sendo restaurado.

Este é o resumo da “Morte e Vida Severina” do que seria nosso maior orgulho militar, o EE-T1 Osório.

Imaginem como seria a nossa indústria bélica se o Osório tivesse vingado. Quantos empregos não seriam perdidos e sim criados. A ENGESA fabricava diversos produtos de alta tecnologia (veja aqui) além de veículos militares.

Tudo virou pó, o gigante continua deitado eternamente em berço esplêndido.

Para saber mais:
http://www.forte.jor.br/blindados/1-ee-t1-osorio/
http://militaryzone.home.sapo.pt/osorio-file.htm (excelente artigo de Reginaldo da Silva Bacchi, técnico da ENGESA e colaborador no projeto do Osório)

Fotos:
http://www.forte.jor.br/2009/04/28/ee-t1-osorio-na-laad-2003/

10 pensou em “EE-T1 Osório: A Morte e Vida Severina do tanque de guerra brasileiro

  1. Aline Cristina Gomes

    Linda, triste história!
    Não que eu seja a favor da indústria bélica, mas…
    É indiscutível o poder que ela tem e como beneficiaria, de certa forma, a economia brasileira.
    Sad, but true.

  2. npaliarussi

    Parça, esse poderia ter sido o maior feito brasileiro! Mas como aqui as coisas não caminham muito bem quando vão a contra-gosto de alguns… fode.

  3. antonio rodrigues

    O Brasil hoje está iniciando sua indústria bélica. Não está "eternamente deitado em berço explêndido" como você sugere.

    1. GearHeadBanger Autor do post

      Antonio, obrigado por comentar!

      Sobre a última frase do post: "Tudo virou pó, o gigante continua deitado eternamente em berço esplêndido.", não faço referencia apenas ao Brasil, mas também à ENGESA e tudo no que ela poderia ter se tornado, caso a história tivesse outro fim.
      Eu não vejo um início de indústria bélica sólida por aqui. Temos excelentes empresas como IMBEL e Taurus, mas nada como uma General Dynamics, até onde eu tenha conhecimento.

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